a minha mulher tem mais aspecto de atriz porno do que a tua


anoitece na Vila Naturista de Cap D'Agde  e os nus vestiram-se para continuar ainda mais nus.
passa uma loira de filme, usa apenas uns sapatos de saltos altos e enverga uma rede elástica azul-choque de malha  larga, losangos de 3 cm de diâmetro que a cobre dos ombros até ao fim das nádegas, nem cuecas nem soutien.
na mesa perto jantam dois casais. eles vestem como era de esperar numa praia, à noite, uma delas também, a outra, uma loira de 1m80 usa apenas um corpete vermelho e uma ultra-minissaia vermelha, nada mais, nem cuecas nem soutien, deviam ter-lhe posto uma almofadinha na cadeira ou a moça ainda a constipa.
as feias e mal feitas que à tarde povoavam a praia parecem ter sido excluídas dos restaurantes e dos bares. o restaurante que escolhi também não é frequentado pelos muitos gays que se exibiam na praia, os seus bares e restaurantes devem ficar algures e não irei descobrir onde são, a julgar pelos instrumentos que vi passear se escorrego e caio passo uma semana sem me poder sentar.
na praia o exibicionismo estava equilibrado entre os géneros muito à custa dos gays, eles ostentando o tamanho elas as jóias, geralmente pequenas correias de diamantes ou imitação de diamantes; recordo em particular uma cinquentona que usava algo que nunca vi, uma aureola dourada nos mamilos e um gay com um instrumento de uns 17 cm (em repouso) enfeitado com uma bracelete de prata das que eu usaria no pulso apesar do ar amaricado que a coisa daria.

acabo a minha "brochette de bœuf" com um copo de vinho tinto enquanto ao lado passa um casal vestido a rigor, ela uma bela morena de uns 35 anos trajando de Dominatrix leva-o pela trela, ele um mocetão de menos de 30 anos não parece lá  muito contente. não consigo imaginar os papeis invertidos sem que houvesse algum tipo de censura. o que aconteceu aos homens?
na mesa do lado sentou-se um casal alemão, ele tem uns 50 anos e veste-se como eu, calções e sandálias, ela com uns 60 anos e pouco cuidada veste uma rede e uma minisaia, sem soutien.
os casais passam abraçados e de mãos dadas. com a excepção do submisso de coleira todos os homens vestem de forma normal como se estivéssemos na Costa da Caparica, elas, é outra história, a lógica parece ser, "vê!, a minha ainda tem mais ar de actriz porno do que a tua". as mulheres que me lêem já tiraram a conclusão cretina:
eles estão a usá-las, sustentam-nas e agora fazem-nas exibir-se!
tenham juízo!, na França, em 2010, em que mundo vivem vocês?
além disso o ar de enlevo deles, a maneira como as levam pela mão ou as abraçam  sem ser abraçados, mostra claramente quem domina quem.
não percebo a lógica deste campo apesar de conhecer muito bem espaços naturistas em Portugal na Catalunya e até em Goa, faltam-me as ferramentas para compreender este exibicionismo no lugar do  naturismo. a título de exemplo, um dos frequentadores da "Cala del Pí" em Portbou creio que é o padre  da aldeia pela maneira respeitosa com que todos o cumprimentam e pelo facto de estar sempre sozinho; passa por mim, cumprimenta-me afavelmente e vai resguardar-se no seu lugar do costume, a regra em todas as praias nudistas onde estive até hoje é basicamente uma, ser muitíssimo discreto/a. devia de ter-me preparado para este fenómeno ou falar com as personagens do lugar. podia, obviamente, falar com algumas das moças que estão aqui, acompanhadas é certo mas os maridos franceses não se importariam, pelo contrário. e as coisas até podiam ser mais simples:
por motivos técnicos - a ficha para ligar o portátil à electricidade - estou a escrever este post junto às casas de banho e a maruja  de uns 45 anos, sem cuecas que estava a jantar com o "marido" aproveitou para ir dançar, no final dirigiu-se aos lavabos e ao passar por mim agarrou-me no braço num convite para que a acompanhasse até à relativa discrição da casa-se-banho, retribui agarrando-lhe o cotovelo sem me comprometer. estou cada vez mais epicuriano, prefiro não me meter no que não compreendo. é pena  ser sempre mais fácil e mais barato (1)  possuir uma mulher do que pô-la a falar sinceramente de si.

exibicionistas precisam da sombra dos seus voyeurs. sentado no meu canto, escrevendo este post sou uma tentação irresistível para as moças. os maridos, os pobres, já não servem nem para espelho. passam por mim a caminho do espelho de vidro da casa de banho e pedem-me descaradamente com o olhar:
"avalia-me, dá-me a atenção que não deste à minha companheira de mesa!"
"exibicionistas precisam da sombra dos seus voyeurs."

na pista de dança estão agora duas tailandesas vestidas de actriz porno de 1ª classe e uma morena nariguda com um corpaço, sapatos pretos de salto de agulha, mini-ninissaia e corpete negros, sem cuecas nem soutien e com o marido orgulhoso dançando ao seu lado. fim da dança, as tailandesas e a nariguda regressam à mesa onde os companheiros ocidentais das tailandesas ainda comem.
agora é a vez dos moços mais espertalhaços que me lêem tirarem conclusões parvas:
"o pateta do F. ainda não percebeu que está numa casa de putas!".
não estou, seguramente, pela simples razão que não há clientes, só há casais!
não há homens sozinhos nem nas mesas nem ao balcão. ainda acham que estou numa casa de putas?
acrescento mais:
o prato com a espetada e excelente acompanhamento custou menos do que custaria no Algarve, 10 euros e o moscatel de Sète que bebo agora custou 4 euros, o restaurante com bar e pista de dança, como é costume numa praia do sul, chama-se "L'Absolut"; os casais acabam de jantar e vão embora.

contrariando o hábito de revelar de mim mesmo apenas o acessório para melhor preservar o essencial vou entrar um pouco no essencial.
Cap D'Agde foi o meu lugar de paragem quase obrigatória nos Verões do fim da adolescência até me dedicar profissionalmente às armas em 1991 e poder ter finalmente férias decentes (2). nesses 5 anos devo ter passado aqui pelo menos 5 semanas, uma por cada ano. a razão era simples: excelentes praias, tranquilidade dentro do possível e possível pela civilidade dos franceses e o acesso fácil, a seguir a Narbone e antes que as auto-estradas comecem a bifurcar, umas em direcção a Lyon e ao norte e outras em direcção a Marselha e à Itália. para mais, bem novo, adquiri o hábito de deambular à boleia pela Europa aproveitando as longas férias de Verão que me permitia a capacidade de fazer as cadeiras à primeira ou de simplesmente ir mudar mais uma vez de curso em Setembro!
Cap D'Agde era, quando no início da viagem, o princípio das boleias fáceis e rápidas (3) e o fim dos problemas ou, se passava por aqui no regresso a Coimbra, era o princípio do inferno do sul da França e de Espanha (cansado, sujo e suado ninguém dá boleia a um esculacho assim!, fica a explicação).
no final da praia de Cap D'Agde brilhava rutilante a aldeia naturista, um posto de controle com guardas e um dique de pedras impedia o acesso à sua praia dia e noite. creio que uma vez fui até à entrada da aldeia mas naqueles tempos não fazia sentido nenhum pagar 10 francos para aceder a uma praia (hoje paguei alegremente 5 euros, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades!).

as coisas começam a aquecer. a maruja despiu o top para mostrar as joias que lhe pendem dos mamilos e dança enleando-se nas outras mulheres da pista, o álcool vai começar a fazê-las portarem-se mal, está na hora de pensar em ir embora porque não me vão deixar continuar aqui tranquilamente. os maridos tentam sossegá-las indo também dançar mas falta-lhes energia para segurar as bestas. leiam "As bacantes" de Euripedes e perceberão o preço que se paga quando se tenta controlá-las durante a possessão dionisíaca.

P.S.: este post também podia intitular-se, "Cap D'Agde, 6ª Feira à noite" mas como diz o outro, "não era a mesma coisa".

(1) ver a entrada da página 98 do livro "Montaigne" de Stefan Zweig da editora Acantilado
(2) ninguém consegue ter realmente férias no Verão. retifico, ninguém consegue ter realmente férias baratas no Verão. assim que recomecei a dar aulas e se acabou a festa militar para ter realmente férias em Agosto fui, alternadamente ou para o grande norte do mundo (Escandinávia) ou para o grande sul do mundo (em Agosto é aí Inverno e nem o Menino Jesus para lá quer ir). soluções muito caras por razões diferentes.
(3) porque para quem sabe a  Europa das boleias começa realmente de Lyon para cima.

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