Vampes e vadias

Há muitos anos li um livro que me marcou, "Vampes e vadias" de Camille Paglia. hoje, por acaso, encontrei num site alguns extractos, partilho-os:
 
Feminismo: A tendência recente no feminismo, nomeadamente em matéria de assédio sexual, confia demais na regulação e legislação, em vez de promover a responsabilidade pessoal. As mulheres não devem colocar-se sob a tutela de figuras de autoridade e tornarem-se suplicantes. Liberdade significa rejeitar a dependência. (...) A rua é natureza, visão da selva aberta com as suas energias exuberantes e brutas de caça e perseguição. As vampes e vadias são os símbolos maduros de um feminismo duro, a minha resposta à auto-satisfação presunçosa e ao materialismo crasso do feminismo yuppie. Os distúrbios do apetite que flagelam o feminismo burguês são rituais regressivos de filhas dóceis que, num certo nível, se recusam a defender-se a si mesmas. (...) a vida é um banquete e os otários morrem à fome. A palavra vamp, no sentido de uma sedutora sexual, tem uma origem eslava e descende das lendas de vampiros servo-croatas dos sangrentos Balcãs. A palavra descreve também a “coisa que está na frente”, avant-garde, ou vanguarda. Como verbo significa recuperar ou consertar algo velho, remendando-o com uma peça nova; ou seja, empregar engenhosidade, inteligência e sentido prático para alcançar os objectivos. Daí passou para vaudeville e jazz: no acompanhamento musical, vamping significa improvisar, ornamentando e ampliando a excitação. (...) Não quero deitar fora as velhas canções; quero actualizá-las, fazê-las entrar nos comportamentos e injectar-lhes energia. Quero colocar de novo o bomp no bomp-de-domp. (...) O estado não deveria ter poder para vigiar ou regular actividades solitárias ou pouco consensuais, como o suicídio ou a sodomia. Por isso apoio decididamente a legalização das drogas e da prostituição, e sou uma radical defensora das formas mais chocantes de pornografia. (...) O sexo tem de ficar de fora do alcance das garras totalitárias dos filantropos e pregadores de todos os matizes. (...) “Odeiem o dogma. Amem a aprendizagem. Amem a arte.” (...) o meu programa propõe a religião comparada como núcleo curricular para toda a gente. Eu não acredito em Deus, mas creio que Deus é a maior das ideias humanas. Aqueles que são incapazes de sentimento religioso ou que profanam o solo sagrado não dispõem da imaginação necessária para educar os jovens. (...) Arte, história e filosofia estão entrelaçadas com a evolução da religião. (...) Os anos 60 queriam destruir os códigos morais opressivos da religião organizada, aceder à visão das coisas através dum individualismo ousado. (...) os jovens estão a lutar pela sua identidade num mundo definido pela desigualdade e pelas incertezas materiais, justapostas bolsas surrealistas de fome e fausto. Daí a sua vulnerabilidade ao politicamente correcto, única religião que conhecem. Os jovens imploram por alimento espiritual, e a elite das escolas oferece-lhes das amargas cinzas do niilismo. (...) O objectivo da educação é abrir o passado remoto aos estudantes, de modo a que possam aprender com os volumosos registos humanos de erros e triunfos. (...) O estilo vampe que subscrevo tece referências para o presente através de uma constante interpretação do passado. “Limite-se a relacionar.”- E. M. Forster.
O Pénis Desembainhado: Na história da arte é muito difícil encontrar um pénis marcante sem recuar aos tempos antigos, onde há muitos pénis bonitos e muito abertamente retratados. Chegamos a um período da cultura ocidental em que há um medo terrível dos pénis. Já não podem ser grandes, creio, acima de um certo tamanho. Simplesmente não parecem bem aos homens, daí resultando que já não são tão atraentes. (...) O pénis é um tremendo, um tremendo tabu. Se vêem um, as pessoas pensam que vão arder no fogo do inferno. Nunca se vê na televisão ou nos media. Está confinado à pornografia – e à arte. (...) Então qual seria o meu conselho para os sexos no final de século? Eu diria para os homens: mantenham-no teso! E para as mulheres diria: Lidem com isso! Não há lei na arena! (...) Para mim, o máximo poder do universo é a natureza, não Deus, cuja existência só posso entender como energia vital despersonalizada. Porém, como já disse repetidas vezes, o simples facto de a natureza ser suprema não significa que nos devamos render a ela. Assumo a opinião do período final do romantismo de que tudo o que de grande houve na história do Homem foi realizado em desafio à natureza. Lei, arte e tecnologia são mecanismos de defesa. (...) É a procriação, não o temor ou o preconceito, que fundamenta a oposição cristã à homossexualidade. (...) A América do final do século XX tem mais coisas em comum com a Roma imperial do que com a Atenas clássica, e por isso é no mundo romano helenizado que buscaria os modelos pagãos. Precisamos de novos mitos vivos. (...) Hoje o sexo acontece no fragor e poeira do circo imperial. Queixas privadas são trazidas à luz do dia, e servem de alimento à massas. (...) Nem mulheres nem gays deveriam lutar para obterem protecções especiais ou tratamentos preferenciais. A arena é a esfera social, que está separada da natureza mas formaliza ritualmente as suas agressões. A minha posição libertária é que, na ausência de agressão física, a conduta sexual não pode e não deve ser legislada a partir de cima; é que toda e qualquer intrusão de figuras de autoridade no sexo é totalitária! A lei última da arena sexual é a responsabilidade pessoal e a autodefesa. Devemos estar preparados para enfrentar isso sozinhos, sem as protecções infantilizadoras de apoios externos como aconselhamento pós-trauma, comissões de apoio e tribunais. Eu digo ás mulheres: desçam ao que é impuro, ao reino dos sentidos. Lutem pelo vosso território hora a hora. Aparem os golpes como os homens. Eu exalto a "persona" pagã do atleta e guerreiro, que pertence mais à cultura do pudor do que à culpa e cuja ética é sinceridade, disciplina, vigilância e valor.
Crime sexual : Violação (...) o que começou como uma campanha útil de sensibilização para as reivindicações de vítimas autênticas de violação desvirtuou-se numa superextensão alucinatória da definição de violação, para cobrir todo o encontro sexual desagradável ou embaraçoso. A violação tornou-se no crime dos crimes, obscurecendo todas as guerras, massacres e desastres da história. A obsessão feminista com a violação como símbolo da relação homem-mulher é fraudulenta e irracional. Visto de uma perspectiva do futuro, esse período na América vai parecer um reinado de psicose de massa, como o da caça às bruxas de Salem. (...) A violação deveria ser definida mais economicamente como a violação por um estranho, ou a intrusão forçada do sexo num contexto não sexual, como por exemplo numa situação profissional. (...) Grande parte da crise em torno da violação em contexto de namoro e do assédio sexual, reclamada pelas mulheres de classe média branca, é causada pela confusão existente nos próprios sinais dessas mulheres, a qual pude observar com crescente angústia ao longo de duas décadas como professora. (...) Dois pais sozinhos não conseguem transmitir toda uma sabedoria de vida a uma criança. Os anciãos do clã – avós, bisavós, tias, tios, primos – desempenharam essa função no passado. A criança urbana vê a aspereza da rua, a rural testemunha as assustadoras operações da natureza. Ambas têm contacto com uma realidade eterna, negada à criança da classe média suburbana, que é protegida do risco e do medo e levada a conformar-se a um código dócil de boas maneiras e a uma linguagem corporal reprimida, código esse que pouco mudou desde a época vitoriana. (...) Na ausência de guerras invente uma! Filmes sobre o comportamento no acasalamento da maioria das outras espécies – uma referência na TV pública americana – demonstram que a fêmea escolhe. Os machos perseguem, exibem-se, lutam em alvoroço, arrastam os pés e fazem papel de completos tolos no amor. (…) Como libertária, creio que temos direito absoluto ao nosso próprio corpo, e que nenhum homem nos pode tocar sem o nosso consentimento. Porém, o consentimento pode não ser verbal, expresso por linguagem ou comportamento. (...) Cada qual recebe o que dá. Se alguém faz propaganda, é melhor estar preparada para vender!
Guerra dos sexos, aborto: (...) A moderna libertação da mulher está inextricavelmente vinculada à sua capacidade de controlar a reprodução, que a tem escravizado desde a origem da espécie. E mais uma vez é a Natureza que é o nosso real opressor. “crescei e multiplicai-vos” já não é aplicável a um mundo superpovoado e de recursos minguantes. (...) O meu código de amazonismo moderno diz que a disposição fascista da natureza no tocante à menstruação e procriação deve ser desafiada, como violação grosseira que é do livre arbítrio da mulher. Ao contrário do establishment feminista, reconheço que abortar é matar. Porém matança e colheita – simbolizados em forma de foice da deusa lua são o registo do sustento e da sobrevivência humana ao longo de dez mil anos."
Camille Paglia
A genialidade desta mulher ainda me é capaz de comover...

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