Eros obscuros


Estou na esplanada do A. E sinto-me triste e só. Estes dias não estão a correr como deviam. O sol foi-se, regressou o tempo cinzento e hoje é um dia emocionalmente mau. Faço o tempo correr, brinco com ele de forma infantil, escorre-me por entre os dedos.
Para regressar ao mundo dos outros tento marcar uma conversa sobre política com R. e faço uma chamada telefónica a C. para ver como está. Nenhum dos dois me responde à chamada. Passados alguns minutos: recebo um SMS de R. , sugiro o timing da conversa e C. liga-me de volta.
Gosto de foder com C. e há uns anos que o faço. Geralmente é uma amante animal, intensa ao ponto de não se recordar do que fez, outras vezes é possuída pela culpa e o sexo se acontece é penoso. Mas antes de começar não é fácil saber como irá ser. C. é casada e ama profundamente o marido, o homem da sua vida, o seu “príncipe azul” como dizem os espanhóis mas ele há muito que deixou de a desejar; ama-a mas sem desejo. Pelo meio C. apaixonou-se por mim sem estar preparada para aceitar que uma mulher pode amar um homem e desejar intensamente outro. Há anos que luta para clarificar em si esse obscuro dilema do desejo (2) . Como não pode negar que ama um, deseja outro, foi ensinada que as boas mulheres são fieis e são ainda mais fieis ao amor, C. concluiu que é uma mulher má.
Antigamente, fora do cio, se o marido a cuidava minimamente resistia-me. Só no cio vacilava. De há uns meses para cá a distância emocional e sexual imposta pelo marido leva-a cada vez mais a ver-me ou a procurar-me até fora do cio.
C. ainda é jovem, o corpo ainda tem o vigor da juventude, tem tendência para engordar mas de momento está bem. Mulher progesterónica tem uma fragilidade e simplicidade deliciosas. Ter-me apaixonado há uns anos por C., numa altura em que éramos ambos casados, seria razão bastante para desejá-la e desfrutar dela. Mas o corpo de C. esconde um segredo: uma vez excitado transforma-se numa máquina, um animal que apaga o humano, se funde no mundo e faz o mundo e o amante fundir-se nela. É uma amante única. Já possuí mais de 100 mulheres, nenhuma tão animal. C. aparece nos livros tântricos como destino final da amante mas o que os tântricos conseguiam à custa de anos e anos de exercício ela tem-no de nascimento. Ser assim acrescenta-lhe um motivo extra para que a queira ter amiúde na minha cama. Estou convencido que o marido nunca percebeu o que tem em mãos e mesmo que percebesse acho que o túmulo seguro do erotismo que é o casamento não lhe permitiria desfrutar realmente da mulher.
C. chegou à esplanada e percebi imediatamente que está no TPM, sinto-lhe a tristeza no olhar e a pele sem brilho. Saímos dali e a caminho de outro café confessa-me isso mesmo, que não está bem, que precisa de energia, que lhe doem as costas, que precisa de ir ao massagista; tomo ali a decisão de levá-la para minha casa e de possuí-la, quer queira quer não queira. Facilmente a conduzo para a minha casa que fica perto. Percebo que não tem interesse em ter intimidade física, nem um beijo ou até mesmo um abraço lhe parecem convir. Veio até mim por pouco mais do que o hábito. Fala-me do marido, de quanto o ama e de quanto a distância que actualmente se impõem a faz sofrer – enquanto fala as lágrimas afloram-lhe os olhos. Já vivemos isto antes e mantenho a calma. Apesar do desconforto da situação apetece-me fazê-la despertar como fêmea mas decido ser paciente, o seu corpo sabe o prazer que o meu lhe propicia e não lhe permitirá, sem luta, retirar-se para casa.
Tenho nas suas entranhas um poderoso aliado. Se a vontade de C. vacilar um momento o seu corpo encarregar-se-á de a fazer oferecer-se à monta.
Senhorinha
Sento-a no sofá de Eros (um pequeno e elegante sofá, uma "senhorinha", junto a uma janela da sala) e fico de pé com as pernas dela presas entre as minhas, a sua boca a uns dez centímetros da minha braguilha. A posição é de submissão mas nada faço de dominador e ela está tranquila; triste continua a falar do casamento e de como gostaria de fazer o marido feliz e ser feliz com ele. Começo a brincar-lhe com os botões da blusa e abro o primeiro, continuo e vou abrindo um após outro; toco-lhe um seio, um mamilo, quase infantilmente como uma criança que brinca com as mamas da mãe. De súbito pergunta-me porque está ali sentada e porque estou eu ali de pé, digo-lhe que a desejo, que gosto dela e beijo-a na boca. A mão que antes brincava agora pressiona, desce-lhe rapidamente até ao sexo; pressiona-lhe o clítoris, afago-o, entra por dentro das cuecas e num gesto inconsciente C. abre as pernas e oferece-se à masturbação, ao contacto dos meus dedos com o seu sexo já molhado. Continuo a beijá-la com intensidade e masturbo-a com proficiência até ouvi-la gemer, nas vizinhanças do orgasmo alivio o ritmo porque não quero que se venha mas quero também impedi-la de recuperar a consciência de si e vou alternando ritmos intensos com ritmos suaves. Sinto-a muito molhada e hesito: mando-a para casa ou continuo?
Afasto-me um pouco, levanto-a, abraço-a e ela aperta-se contra mim, faz um movimento de levar-me para o quarto mas arrepende-se a meio. Sou eu que a levo pela mão até à cama. Beijo-a na boca no meio do quarto e faço-a ajoelhar, não se ajoelha à primeira e tenho de insistir com mais vigor, segurando-a pelos cabelos. Ajoelha e abrimos a minha braguilha, o pénis sai, semi-erecto. Pergunta-me o que deve fazer e digo-lhe para me chupar. Hesita e à sua maneira incompetente lá o mete na boca, não me convence – nunca convenceu e quem sabe nunca convencerá. Dispo-me, fico nu e deito-me na cama, de lado, virado para ela, de pénis já flácido. Fica de pé e instintivamente começa a tirar a roupa – hábitos de mulher casada? Digo-lhe para se despir completamente, fá-lo e e mando-a deitar-se a meu lado. Acaricio-a sem carga erótica, evito as zonas mais erógenas, também me acaricia dessa forma, dá-se finalmente conta que eu também não estou num bom dia. Volta a falar do marido e já não quer fazer amor, sinto-o mas ponho-me sobre ela; molhada como ainda está seria fácil de penetrar mas estou completamente sem erecção.
Tudo, ou quase tudo nesta cama, me parece agora anti-erótico; não me posso queixar de que o meu pénis esteja tão flácido, se eu fosse o meu pénis também estaria murcho, incapaz.
Para cúmulo diz-me que não lhe apetece fazer amor mas que eu faça o que quiser fazer! Ali está C., de pernas abertas, sexo hiper-molhado em contacto com o meu pénis flácido(3). Apetece-me entrar nela mas não consigo, está à beira do choro, fecha os olhos, masturbo-a , penetro-a com um dedo, depois dois, toco-lhe ritmadamente o ponto G com o dedo médio, continua de olhos fechados, sinto, intuo que imagina serem os dedos do marido que a penetram. Lambo-lhe o clítoris enquanto a continuo a penetrar com dois dedos, reage, está novamente perto do orgasmo e C. já não está entre nós, o corpo levou-a, sei-o, já não há nem fidelidades, nem maridos, nem amantes, C. é uma máquina de foder, um corpo noutra dimensão. Soergue-se para me ver lambê-la, uma e outra vez a impeço de se vir. Uma e outra vez sinto que o seu corpo implora que o meu lhe ofereça o êxtase orgíaco. Ponho-me sobre ela e apesar de saber que não “quer” fazer amor, o seu corpo suplicando pela penetração dá-me motivação para uma meia erecção e entro naquela sopa que é agora o sexo de C. a segundos de distância de um grande orgasmo. As hormonas e a cona macia fazem o resto e pouco segundos depois de penetrá-la sou eu que estou à beira do orgasmo. Usando sábias mudanças de ritmo consigo afastar-me definitivamente do meu orgasmo; posso agora fazê-la vir-se várias vezes e com a intensidade determinada por mim. Brinco-lhe com o corpo, de orgasmo em orgasmo, cada vez mais intensos, cada vez mais incapacitantes: C. está feliz como uma menina, vai misturando a alegria com os habituais sorrisinhos estúpidos pós-orgásmicos. Para terminar viro-a e arremeto por detrás, num ritmo diabólico, e vem-se copiosamente. Páro e deixo-a recuperar a consciência. Ainda de costas recupera a voz e diz:
- Gostava tanto de estar assim com o U. (4)!
 Acalmo-a. Mando-a ir à casa-de-banho lavar-se bem. Vou até ao computador da sala. Depois de se lavar vem espreitar-me como uma menina traquinas, curiosa por saber onde estou e o que faço. Tenho dificuldade em imaginar em que pensou durante os minutos em que a água quente lhe escorria pelo corpo. Pego-lhe na cabeça e falo-lhe alto, com aquela convicção paternal digo:
- C., tu não és má. Tu és boa pessoa. Mas és humana, demasiado humana.
___
(1) Ver "Paixões tristes"em Spinoza
(2) De um lado a tesão animal e do outro a tradicional imagem de si das portuguesas: “amar um exclui todos os outros”. O corpo raramente está de acordo com esta imagem de si.
(3) Eros obscuro.
(4) U. é o marido dela.

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