Por que o progressivismo é importante?
O progressivismo educacional é importante. Isto não é porque a maioria das escolas subscreve uma filosofia progressista. Longe disso. Importa porque é a ideologia dominante dentro da academia e nas burocracias que administram os nossos sistemas educacionais. E isso tem significado real e prático para professores e escolas.
O que é progressismo?
Como filosofia educacional, os elementos do progressivismo existem há muito tempo e o progressivismo existe na sua forma atual desde o advento do romantismo, no qual ele se baseia. O progressismo ganhou destaque no final do século XIX e início do século XX.
Em 1918, William Heard Kilpatrick escreveu "O Método do Projeto", uma descrição antecipada do aprendizado baseado em projetos. Kilpatrick foi um líder da American Progressive Education Association (PEA). No entanto, seria um erro ver o progressivismo puramente como um rótulo a ser aplicado a métodos particulares de ensino. Os métodos de ensino sempre derivaram de um conjunto de princípios subjacentes.
Dois textos breves e compreensivos podem nos dar uma melhor compreensão desses princípios mais profundos e da maneira como eles persistiram ao longo do tempo. O primeiro é um extrato da "Experiência e Educação" de John Dewey, de 1938. A essa altura, Dewey havia começado a criticar alguns dos extremos da educação progressista e tinha um relacionamento complexo com a PEA. No entanto, ainda acho que está claro de que lado estão as suas simpatias.
O segundo texto é um artigo mais recente de Alfie Kohn.
Um princípio essencial é que a educação é uma forma de desenvolvimento natural. Uma boa metáfora pode ser uma flor em crescimento - fornecer as condições certas, como água, fertilizante e luz, e a flor crescerá de acordo com algum plano interno. A educação é um processo de encorajar e extrair das crianças o que já existe, inato. Este é um processo individual em que a crianças diferentes se desenvolvem de maneiras diferentes. Como Dewey explica: "A imposição desde acima é a expressão oposta ao desenvolvimento da individualidade". Essa metáfora também ajuda a explicar a ênfase na motivação intrínseca. Se os estudantes são dotados para se desenvolver de uma maneira particular, então não devemos nos opor a este processo. Em algum nível fundamental, eles sabem o que é bom para eles.
Herbert Spencer, filósofo do século XIX e progressista, baseou-se na teoria da recapitulação para tentar explicar o desenvolvimento. Esta é a ideia de que a progressão de criança para adulto deve passar por estágios que espelham o desenvolvimento dos seres humanos de "selvagens" para seres civilizados. Forçar as crianças a completar os tipos de tarefas acadêmicas que são características dos membros das civilizações modernas é, portanto, antinatural.
A teoria da recapitulação não tem base científica, mas a idéia de educação como desenvolvimento natural permaneceu conosco, principalmente através das teorias dos estágios de Piaget.
Estes princípios levam à conturbada relação do progressivismo com o conhecimento. A maneira mais eficaz e eficiente de obter conhecimento do mundo é através dos outros, seja por instrução direta ou pelo uso de um "meio", como um livro. No entanto, esta é uma imposição de fora - de "acima" - e, portanto, não se encaixa com a idéia de educação como desenvolvimento pessoal a partir de dentro. Existem três maneiras principais pelas quais o progressivismo tenta lidar com esse problema.
Primeiramente, os progressistas podem sugerir que os estudantes adquiram conhecimento do mundo eles mesmos. Nos últimos anos, tornou-se popular falar de estudantes "construindo" seus próprios conhecimentos, baseando-se na teoria psicológica do construtivismo.
Infelizmente, a aprendizagem auto-dirigida deste tipo não é apoiada por evidências experimentais. Alternativamente, os progressistas podem incentivar a colaboração dos alunos como um meio de melhorar as chances de os alunos fazerem os saltos conceituais corretos. Isso faz uso da transmissão direta de conhecimento de um indivíduo para outro, mas ao tentar evitar a imposição "de acima", ele favorece a transmissão de conhecimento do novato para o novato sobre a transmissão de conhecimento do especialista para o novato.
Uma abordagem alternativa é tornar a aquisição de conhecimento um objetivo secundário da educação e priorizar o desenvolvimento de qualidades pessoais em detrimento da aquisição de conhecimento. Como Kohn sugere, "Fatos e habilidades são importantes, mas apenas em um contexto e com um propósito". Em vez disso, o objetivo é desenvolver a capacidade dos alunos de resolverem problemas, suas "habilidades" de pensamento crítico ou sua criatividade. Mais uma vez, a ênfase está no crescimento pessoal a partir de dentro.
Há pouca evidência de que capacidades genéricas para resolver problemas ou pensar criticamente ou ser criativas ou qualquer outra coisa podem ser melhoradas dessa maneira (veja aqui ou aqui). Em vez disso, essas qualidades parecem ser características do desempenho de especialistas dentro de um domínio específico de conhecimento: a mesma pessoa pode pensar criticamente sobre uma área em que possua experiência e ainda assim não pensar criticamente em uma área em que não tenha experiência.
Durante a maior parte do último século, pode-se argumentar que as ideias progressistas estavam alinhadas com a nova ciência da psicologia. Isso significava que havia razões filosóficas e empíricas para ser progressista. O último "Oba!" para o progressismo científico foi, provavelmente, o construtivismo dos anos 80 e, como uma abordagem de ensino, isso tem sido agora amplamente desacreditado por estudos cuidadosamente conduzidos e por pesquisas epidemiológicas. Isso deixa os progressivistas numa encruzilhada. Eles podem mudar de idéias - e muitos o fizeram; eles podem argumentar que o método científico não se aplica a algo tão complexo quanto a educação; ou eles podem definir novos objetivos e argumentar que os métodos progressivistas são os mais adequados para alcançá-los. Foi o que aconteceu com o movimento das competências do século XXI e a ideia de que métodos progressistas são superiores para preparar os alunos para trabalhos que ainda não existem.
Exemplos práticos de onde o progressivismo faz a diferença
Todos os envolvidos no debate reconhecem que há poucas escolas que podem se descrever como aderentes a uma filosofia 100% progressiva. Como Kohn observa:
“Não é tudo ou nada, com certeza. Eu não acho que já tenha visto uma escola - mesmo uma com instruções escritas, uniformes e fileiras de mesas presas ao chão - que escapou completamente da influência de idéias progressistas. Também não vi uma escola que seja progressiva em todos os detalhes”.
Isso não significa que o debate não tenha significado prático. Eu não acho que exista algum país na Terra onde toda a empresa é de propriedade estatal - até mesmo a Coréia do Norte tem mercados de agricultores - mas isso não significa que o princípio da propriedade estatal não valha a pena ser debatido: como devemos lidar com a economia chinesa de empresas de propriedade estatal? Devemos vender ativos estatais para construir infraestrutura? Qual é a melhor maneira de organizar o transporte público ou a geração e fornecimento de eletricidade?
Da mesma forma, a filosofia do controle do progressivismo em nossos sistemas educacionais tem inúmeras implicações práticas:
1. Os programas Systematic Synthetics Phonics (SSP) para o ensino da leitura precoce têm duas características principais: são altamente eficazes em comparação com as alternativas e estão completamente em desacordo com os princípios progressistas. Há já doze anos que um relatório do governo na Austrália recomendou a adoção por atacado do SSP e ainda temos departamentos de educação buscando alternativas como L3 que oferecem uma perspectiva mais favorável ao progressivismo: os alunos são ensinados em pequenos grupos de dois ou três para atender a suas necessidades individuais e são oferecidas uma variedade de estratégias para decodificar o texto em vez de serem explicitamente ensinadas relações letra-som.
2. Qualquer discussão sobre comportamento ou pesquisa sobre problemas de comportamento é expressa em termos de princípios progressistas. Se os alunos não se comportam em sala de aula, isso acontece porque as escolas e os professores não estão atendendo às suas necessidades de desenvolvimento ou não os estão tratando como indivíduos. Dado que a educação é um processo natural, se parece estar dando errado para alguns alunos, isso deve ser devido à imposição de condições ou exigências não naturais. Devemos seguir os interesses dos alunos e oferecer-lhes escolhas mais atraentes.
3. O Currículo Australiano exige que os professores ensinem habilidades genéricas, como "pensamento crítico e criativo" e "compreensão ética", seja isso lá o que for [N.T: São ciências ocultas]. Também tem sido tão desnudado de conhecimento de conteúdos que, por exemplo, a história não existe como assunto antes do ano 7, substituída por um currículo "expandindo horizontes" inspirado em Dewey. Por sua vez, o currículo de ciências é conhecimento-reduzido, com foco nos alunos, que colocam e respondem as suas próprias perguntas.
4. Em seu livro recente, E D Hirsch Jr. apresenta evidências de que a imposição de tal currículo de conhecimento-reduzido na França nos anos 80 levou a declínios reais e significativos nas habilidades dos estudantes.
5. Como em qualquer discussão de comportamento, testes padronizados tendem a levar as pessoas a buscar argumentos progressistas. Por exemplo, um delegado em uma conferência do sindicato de professores no Reino Unido sugeriu que o ensino “deveria ser sobre 'libertar' as mentes das crianças, não prepará-las para responder testes em coisas que não entendiam.” Existem bons argumentos contra esses testes, mas eu sou amplamente a favor. Eu costumo concordar com Eric Kalenze que eles mostram o fracasso de nossos sistemas de educação: que outras alavancas os políticos têm para puxar quando as escolas não adotam práticas eficazes como o SSP?
6. A prioridade dada ao individualismo levou a abordagens ineficientes que aumentam a carga de trabalho dos professores sem nenhum ganho óbvio. Espera-se que os professores "diferenciem" as aulas de várias maneiras, algumas das quais poderiam prejudicar de facto a aprendizagem. O feedback, em vez de ser entregue através do ensino de toda a turma, foi concebido como algo que é dado, como Dylan Wiliam descreve: “... um aluno de cada vez, depois de terem ido embora e por escrito…” Provavelmente a pior manifestação disto têm sido as teoria dos estilos de aprendizagem que simplesmente se recusam a morrer, apesar das evidências em contrário e dos perigos potenciais associados à rotulação de estudantes.
Eu poderia continuar. A questão é que a filosofia do progressivismo é importante porque tem conseqüências diretas e práticas, mesmo que as pessoas desconheçam suas origens ou sintam que estão acima do debate. As decisões tomadas com base nesses princípios estão sendo tomadas diariamente e continuarão sendo tomadas até que sejam suficientemente contestadas e os decisores sejam responsabilizados publicamente por suas decisões. Essas idéias são parte da memória coletiva de nossos sistemas de ensino e, para muitos, fazem parte de sua compreensão implícita do que é educação. O progressismo não desaparecerá por vontade própria.
Tradução livre do texto Why progressivism matters.
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