Ou há vontade de foder ou está tudo fodido

Aos 18 anos mudei de curso da Covilhã para Coimbra e colocaram-me numa Residência Universitária, a Residência João Jacinto. Partilhava quarto com um colega muito bonito, 1m80, 27 anos, pintor, libertino, órfão de pai que todos os dias desde criança fazia o almoço à mãe e lho levava à fábrica onde ela trabalhava (era um cozinheiro como nunca vi, um génio na cozinha). Raramente dormia no quarto, havia sempre uma Maria que o queria na casa dela (casou com uma médica feia como o diabo dois anos mais tarde); penso que ainda estão casados passados 24 anos (engordou e é engenheiro), Chico é o seu nome, gostava de mulheres pequenas e magras.

Voltando à primavera de 1987, eu 19 anos, apaixono-me que nem um perdido pela beldade do curso (belíssima, loira, 1m80, inteligente, rica - andava de BMW, pintora e doida varrida).
No quarto, altas horas da noite, o Chico tenta dormir e, de candeeiro aceso, escrevo poemas de amor. Às tantas ele perde a paciência, soergue-se da cama apoiando-se no cotovelo e diz:
- O que caralho estás tu a fazer?
-Estou a escrever.
- A escrever o quê?
- Poemas...
Ele põe um sorriso trocista e diz:
- Estás apaixonado!
- Pois...
- Deixa-te de escritas, vai lá e diz-lhe que gostas dela!
- Mas... ela é muito bonita tem montes de dinheiro.
- Isso não interessa nada, o que interessa é haver vontade de foder!
Eu pensei:  "foda-se, vá-se lá ver este cabrão, é claro, todas o querem comer mas a mim não, magro, quase imberbe, pobre e sujo, isto é que é um conselho de merda, ir lá e dizer-lhe, como dizer e dizer o quê"?
E ele acrescenta:
- Ou há vontade de foder ou está tudo fodido, apaga a luz e vai dormir, deixa lá os poemas.

Esta conversa acompanhou-me toda a vida, uns anos mais tarde tentei seduzir mulheres que não me desejavam, deixei-me seduzir por mulheres que não desejava e por aí fora. percebi que o desejo se pode inventar, que se pode fazer alguém desejar-nos pela sedução; que o amor é uma grande armadilha para o desejo das mulheres, depois de se apaixonarem começam a desejar o homem que antes não lhes deixava rasto de molhado, etc... erros crassos! sempre erros crassos!

Os corpos só conhecem a sua verdade e a sua linguagem é química e subliminar, é a linguagem pura, natural, antiga, admirável, verdadeira e bestial do desejo.
Pode-se chegar a amar intensamente alguém que não desejámos mas, o Chico tinha razão:
"Ou há vontade de foder ou está tudo fodido".

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